Na matéria anterior sobre nossa expedição por alguns países do leste africano, nós relatamos como foi o nosso transfer de Dar Es Salaam até Mochi, nossa preparação e o primeiro dia de caminhadas até os abrigos Mandara, localizados já a 2.700 metros de altura. Depois de uma noite bem agitada, na qual quase ninguém conseguiu dormir devido à adrenalina e aos efeitos da altitude, nos colocamos prontos para enfrentar o dia já às 5 da manhã. Nos higienizamos, tomamos café e ficamos relaxando nos huts até o sol sair.

Ponto de partida no dia anterior para a Rota Marangu e nosso abrigo Mandara
Ponto de partida no dia anterior para a Rota Marangu e nosso abrigo Mandara

Raios de sol iluminavam a vegetação densa da rainforest em que Mandara está localizado. Nosso café da manhã foi reforçado: fomos servidos com uma densa sopinha doce seguida de torradas, ovos fritos e salsichas, sempre acompanhados por café, leite ou chá em pó. Depois de fartar-nos com a deliciosa refeição, seguimos adiante com nossa caminhada. Seria um dia intenso, onde subiríamos mais mil metros em altitude caminhando por 11 quilômetros até o próximo abrigo: Horombo Huts (3.800 metros).

Iniciando o segundo dia de caminhadas rumo ao topo da África
Iniciando o segundo dia de caminhadas rumo ao topo da África

Definitivamente este foi o dia mais desafiador até então. Isso pois a caminhada além de ser longa passa a ser um pouco mais ingrime. Tudo muda, tanto relevo, quanto vegetação e acima de tudo o clima. Fomos caminhando vagarosamente, sempre “pole-pole” (devagar-devagar em Swahili) para proporcionar uma melhor aclimatação aos nossos organismos. Localizado a apenas 800 metros de distância dos Huts Mandara estava a imponente borda da Cratera Maundi, por onde continuamos nossa caminhada, conduzidos literalmente por paisagens que mais pareciam sonhos do que a pura realidade que ali estávamos vivenciando.

A borda da cratera Maundi - Kilimanjaro - África
A borda da cratera Maundi – Kilimanjaro – África

Nossa caminhada pelas duas primeiras horas foi realmente de contemplação. Paramos várias vezes em nosso caminho para admirar as belíssimas flores que embelezam as trilhas que rompem Kilimanjaro acima, tiramos fotos de várias espécies de macacos e nos impressionamos pela imponência que o caminho nos proporcionava. Caminhar 11 quilômetros na altitude meche com seus neurônios, e isso para não dizer que meche completamente com todo seu organismo. De cada fio de cabelo até cada um dos poros que insistentemente expelem um suor frio e constante, o corpo é posto a prova a cada pedra que deixávamos para trás em nosso caminho. Certos momentos passam a ser mais difíceis de serem superados, mais psicologicamente do que pelo próprio físico.

Flores do Kilimanjaro
Flores do Kilimanjaro

A trilha rompe em meio às nuvens brindando-nos com paisagens realmente cênicas. Haviam várias cachoeirinhas no meio do caminho e não demorou muito para que alcançássemos o primeiro ponto de parada do dia, afim de realizar um lanche rápido. Já passávamos dos 6 quilômetros de caminhada e alcançávamos a metade do dia. Nosso lanche foi parecido com o do dia anterior: ovo cozido, pedaços de frango frito, bananas, cup-cake e algumas bolachinhas acompanhados por um suco de abacaxi em caixinha. Até então nada de sintomas graves referentes à altitude. Ninguém havia relatado dor de cabeça ou vontade de vomitar. Estávamos prontos para continuar a caminhada por mais duas horas até alcançar o Horombo Huts.

No meio do segundo dia de caminhadas rumo ao topo do Kilimanjaro
No meio do segundo dia de caminhadas rumo ao topo do Kilimanjaro

Esta foi a parte mais difícil até então para mim. Não pela exigência física, mas pelo domínio do meu psicológico. Pensamentos veem e vão com uma facilidade impressionante. Pensava a todo momento em minha família, nos meus irmãos, na minha mãe, mas especificamente não tirava o meu velho finado pai da cabeça. E sinceramente nunca senti tanta determinação para conseguir chegar até o objetivo. Nesse momento me distanciei do grupo por vários minutos e comecei a fazer orações pela alma do meu pai que faleceu em setembro do ano passado. Parece que isso tudo ainda meche muito comigo. Caminhar em meio a tantos obstáculos e ir vencendo-os um a um, foram vagarosamente me transformando em um homem mais forte, mais decidido e acima de tudo: com mais paz no coração para continuar.

Definitivamente a dificuldade maior está em domesticar a sua mente. As lágrimas correram pelo meu rosto com uma facilidade tremenda quando a imagem do meu velho pai vieram sem controle até a minha mente – fui literalmente dominado pelo sentimentalismo em algo que até então já me parecia bem superado e resolvido. Entretanto, quanto mais eu vencia os metros na altitude, mais a montanha me colocava em contato comigo mesmo, transbordando meus pensamentos com a imagem do pai de uma forma completamente incontrolável. Fiz uma bela oração, coloquei meus pensamentos em Deus e continuei a caminhada sem titubear por um minuto sequer. Nesse ponto tentei me manter em um ritmo mais lento, um tanto quanto abatido pelos pensamentos. Parei por alguns segundos, me hidratei e aguardei pelo grupo. Meus amigos me passaram e continuaram firmes rumo ao Horombo enquanto fiquei um pouco mais para trás compartilhando essa experiência com um dos guias. Eles me informaram que é totalmente normal e que este era um sintoma evidente de que a montanha estava a me colocar em contato extremo comigo mesmo. Pediu para eu ter calma e tentar controlar minhas emoções a todo custo, a colocar o foco no topo e acreditar que tudo isso seria a grande redenção que eu estaria a buscar por ali.

Abrigo Horombo na Rota Marangu do Monte Kilimanjaro
Abrigo Horombo na Rota Marangu do Monte Kilimanjaro

Pouco mais do que uma hora depois da nossa paradinha para o lanche e já estávamos conseguindo avistar os Huts. A alegria foi generalizada. Chegamos com saudações de Karibu (bem-vindos!) por todos os lados. Nos registramos e novamente aguardamos o momento de nos higienizar com a bacia de água quente, sendo convidados posteriormente para o chá quente. E aqui estou agora, escrevendo para vocês de um dos Huts, às 4 da tarde, enrolado em meu saco de dormir e feliz por perceber que a montanha tem me colocado em contato comigo mesmo e que o desafio maior não é a caminhada até o topo, mas sim o controle emocional para conseguir chegar até ele.

Huts Horombo - 3.720 metros de altura
Huts Horombo – 3.720 metros de altura

Pela primeira vez conseguimos repousar e acordamos revigorados no dia seguinte. Nossos músculos clamavam pelo repouso e nossas mentes pelo conforto. O terceiro dia estava iniciando diante de nossos e nosso objetivo nesse dia seria deixar a vegetação de vázea e partir para o árido deserto alpino, nosso dia chegaria ao final quando alcançassemos os 4.703 metros de altura em que fica localizado o abrigo Kibo. Só que essa história eu só conto no próximo capítulo dessa série rumo ao topo da África.


Trekking ao Topo do Monte Kilimanjaro – Tanzânia

Autor
Luiz Jr. Fernandes
Luiz Jr. Fernandes
Sou um analista de sistemas, fotógrafo, autor deste blog e viajante profissional. Já conheci mais de 70 países em todos os continentes do mundo. As minhas matérias são 100% exclusivas, inspiradas em experiências reais adquiridas nos destinos que visito. Obrigado por ler e acompanhar o meu trabalho.
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